segunda-feira, dezembro 18, 2006

 

Vida após a morte

Em minha infância, em meados dos anos oitenta, muitas crianças sonhavam em serem médicos, cientistas, professores, bombeiros, policiais etc. Quando perguntadas por que escolheram suas profissões elas respondiam com a maior inocência e sinceridade que lhes são próprias. As respostas eram banhadas de idealismo, de vontade de servir à sociedade, de salvar vidas, de produzir ou propagar o conhecimento.

Pergunte-se a adultos sobre as profissões que exercem. As respostas girarão em volta do dinheiro, da conveniência e da oportunidade fácil. Cada vez mais cedo as pessoas esquecem seus ideais e da sua função social. Não percebem que a única forma de viver após a morte é através do legado que deixamos pra família e pra sociedade. As religiões têm sua parcela de culpa ao fazerem as pessoas perderem essa ânsia de cumprir sua função antes da morte quando produzem falsas expectativas de uma vida eterna num paraíso.

Entretanto os grandes responsáveis pela inutilidade social das pessoas não são as religiões e sim o dinheiro e a fama. As pessoas vivem pra subirem em suas carreiras, conseguirem um emprego mais lucrativo ou de terem fama. Esquecem que o dinheiro e a fama devem ser meios ou conseqüências e não o objetivo final de suas vidas.

Vejam o exemplo dos médicos. No início da carreira muitos costumam mergulhar de cabeça em plantões e nas consultas em ritmo de linha de produção. É aí que aprendem a coisificar as pessoas, que endurecem com o sofrimento alheio, que esquecem da função social nobre que exercem. Param de estudar, de pesquisar, de ter gana de salvar vidas, de querer deixar sua marca na sociedade. Passam a se preocupar em acumular capital, única e exclusivamente. Não convém entretanto generalizar. Alguns médicos são eternos cientistas, voluntariam-se pra servir, tentam retribuir pra sociedade o custo que esta teve com a sua formação. Esses são dignos de minha profunda admiração e respeito.

Dentre os cientistas, a situação não é muito diferente. No ambiente acadêmico, a pressão por produção é grande. A produção não é medida pelo benefício pra sociedade advindo do seu trabalho e sim do número de publicações em revistas de impacto. Publicar seus trabalhos para que outros possam produzir mais conhecimento é absolutamente necessário, claro que o é. Mas repito, não pode ser o objetivo final, e sim, tem que ser apenas o meio. O objetivo final é a resolução do problema, venha a solução de onde vier, até mesmo de algum outro grupo. Se a solução veio de outro grupo, que coloque também seu tijolinho e ajude a construir uma muralha de conhecimento. Uma solução é sempre uma oportunidade pra produzir melhores soluções. É assim que o conhecimento avança. Tenho a felicidade de conhecer alguns cientistas com essa consciência de sua função social. Não por coincidência, estes são mais produtivos tanto em termos de benefícios pra sociedade vindos do seu trabalho quanto em termos dos mesquinhos índices acadêmicos.

A situação em que estão os serviços públicos nesse país são conseqüência dessa mesma realidade. Muitos jovens acabam de se formar e começam a exercer a profissão de concurseiro. Concurso pra que? Pra qualquer coisa, oras! O que vale é ter um emprego estável que lhes permita coçarem o saco até o fim de suas vidas inúteis. Muitos, depois de admitidos, têm ojeriza pelo seu próprio trabalho. Como poderão servir bem à população?

Empresários, pedreiros, advogados, artistas, funcionários públicos e até mesmo donas de casa todas têm uma função social a cumprir. As pessoas precisam se conscientizar da função, da importância e de utilidade de cada um. Aqui cabe até um pouco de auto-crítica pois eu já fui um desses egoístas mesquinhos mas agora decidi que quero viver além da morte. Pelo menos vou tentar.

Comments:
Já vi muita gente desistindo das engenharias para virar advogado com o único intuito de fazer um concurso público na receita federal e viver "sem maiores preocupações"...

É um desperdício para a sociedade, mas também é um desperdício intelectual pessoal. "O que você quer ser quando crescer?" "Quero ser fiscal da Receita" :P
 
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